Melhor e melhor! [It´s going to get worse and worse and worse, my friend]
It´s going to get worse and worse and worse, my friend, conceito, coreografia e interpretação: Lisbeth Gruwez. Composição, sonoplastia e assistência: Marteen Van Cauwenberghe. Estilismo: Veronique Branquinho. Aconselhamento artístico: Bart Meuleman. Desenho de luz: Harry Cole. Assistência de desenho de luz: Caroline Mathieu. Produção: Voetvolk vzw. Co-produção: Grand Theatre Groningen, Troubleyn/Jan Fabre, Theatre Im Pumpenhaus e AndWhatBeside(s) Death. Teatro Municipal Maria Matos, 29 de Abril, 2013.
A simplicidade deste espectáculo é notável: uma mulher vestida com umas calças escuras e uma camisa branca, um rectângulo de luz e som. It’s going to get worse and worse and worse, my friend é baseada nos discursos que movem massas, no poder das palavras, na manipulação. Neste caso, a coreógrafa inspirou-se num discurso do “televangelista” ultraconservador Jimmy Swaggart, da década de 80. A coordenação entre o som, o movimento e a luz são irrepreensíveis e percebe-se o trabalho árduo que está por trás desta obra da dupla Lisbeth Gruwez e Marteen Van Cauwenberghe.
O espectáculo inicia com um movimento muito subtil de braços, e desde logo a relação que a intérprete estabelece com o público é arrebatadora. Ficamos presos, no seu olhar, na intenção de cada pequeno gesto, pressentimos que se está a fabricar um momento único e explosivo. A peça está dividida em três momentos, identificados pelas três músicas distintas e também pelo tipo de movimento e intencionalidade. Estes três momentos vão evoluindo progressivamente em termos de velocidade e intenção. Há uma violência desconcertante implícita na fisicalidade da coreografia. A intérprete executa sequências de movimentos utilizando duma forma precisa essencialmente o tronco e os membros superiores com gestos que fazem lembrar figuras políticas a discursar e, ao mesmo tempo, é como se estes gestos fossem infligindo o seu próprio corpo com brutalidade e descontrolo.
Assiste-se a uma desconstrução de frases utilizadas nos discursos políticos ou religiosos que têm a intenção de manipular pensamentos e comportamentos. É um jogo de manipulação feito com subtileza e humor. O gesto acciona o texto e vice-versa, são palavras soltas, mas carregadas de significado e a intenção imprimida em cada gesto pela intérprete é lançada para a plateia contagiando o público. A certa altura não sabemos se estamos num espectáculo de dança ou num culto satânico – há uma espécie de transe induzido pela música e pelo movimento espásmico e repetitivo.
Apesar de a coreografia ter partido de um discurso dos anos 80 aparentemente ultrapassado, não podia ser mais actual pela maneira como nos é apresentado. A actual sensação de que as coisas apenas tendem a piorar e o desânimo geral da população é aqui habilmente descontextualizado e sente-se a opressão à flor da pele e o quanto se entranham palavras repetidas inúmeras vezes. A genialidade desta criação não está apenas no conceito, mas também na subtileza inteligente e irónica com que a intérprete se move e como a palavra é utilizada.
A dança de Lisbeth Gruwez não podia ser melhor escolha para celebrar o dia mundial da dança. É uma coreografia inteligente e perspicaz, pois vai sendo construída passo a passo, sem nunca ser demasiado óbvia ou gratuita. A ironia do gesto e a expressão facial são duas armas poderosas utilizadas ao longo de toda a coreografia que se vai revelando num crescendo, e termina no clímax, ou seja, faz jus ao título, mas ao contrário: vai melhorando, melhorando e melhorando.