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Melhor e melhor! [It´s going to get worse and worse and worse, my friend]

4 Maio 2013
It's going to get worse and worse and worse my friend, Lisbeth Gruwez, fot. Ben Huybrechts.

It’s going to get worse and worse and worse my friend, Lisbeth Gruwez, fot. Ben Huybrechts.

It´s going to get worse and worse and worse, my friend, conceito, coreografia e interpretação: Lisbeth Gruwez. Composição, sonoplastia e assistência: Marteen Van Cauwenberghe. Estilismo: Veronique Branquinho. Aconselhamento artístico: Bart Meuleman. Desenho de luz: Harry Cole. Assistência de desenho de luz: Caroline Mathieu. Produção: Voetvolk vzw. Co-produção: Grand Theatre Groningen, Troubleyn/Jan Fabre, Theatre Im Pumpenhaus e AndWhatBeside(s) Death.  Teatro Municipal Maria Matos, 29 de Abril, 2013.

A simplicidade deste espectáculo é notável: uma mulher vestida com umas calças escuras e uma camisa branca, um rectângulo de luz e som. It’s going to get worse and worse and worse, my friend é baseada nos discursos que movem massas, no poder das palavras, na manipulação. Neste caso, a coreógrafa inspirou-se num discurso do “televangelista” ultraconservador Jimmy Swaggart, da década de 80. A coordenação entre o som, o movimento e a luz são irrepreensíveis e percebe-se o trabalho árduo que está por trás desta obra da dupla Lisbeth Gruwez e Marteen Van Cauwenberghe.

O espectáculo inicia com um movimento muito subtil de braços, e desde logo a relação que a intérprete estabelece com o público é arrebatadora. Ficamos presos, no seu olhar, na intenção de cada pequeno gesto, pressentimos que se está a fabricar um momento único e explosivo. A peça está dividida em três momentos, identificados pelas três músicas distintas e também pelo tipo de movimento e intencionalidade. Estes três momentos vão evoluindo progressivamente em termos de velocidade e intenção. Há uma violência desconcertante implícita na fisicalidade da coreografia. A intérprete executa sequências de movimentos utilizando duma forma precisa essencialmente o tronco e os membros superiores com gestos que fazem lembrar figuras políticas a discursar e, ao mesmo tempo, é como se estes gestos fossem infligindo o seu próprio corpo com brutalidade e descontrolo.

Assiste-se a uma desconstrução de frases utilizadas nos discursos políticos ou religiosos que têm a intenção de manipular pensamentos e comportamentos. É um jogo de manipulação feito com subtileza e humor. O gesto acciona o texto e vice-versa, são palavras soltas, mas carregadas de significado e a intenção imprimida em cada gesto pela intérprete é lançada para a plateia contagiando o público. A certa altura não sabemos se estamos num espectáculo de dança ou num culto satânico – há uma espécie de transe induzido pela música e pelo movimento espásmico e repetitivo.

Apesar de a coreografia ter partido de um discurso dos anos 80 aparentemente ultrapassado, não podia ser mais actual pela maneira como nos é apresentado. A actual sensação de que as coisas apenas tendem a piorar e o desânimo geral da população é aqui habilmente descontextualizado e sente-se a opressão à flor da pele e o quanto se entranham palavras repetidas inúmeras vezes. A genialidade desta criação não está apenas no conceito, mas também na subtileza inteligente e irónica com que a intérprete se move e como a palavra é utilizada.

A dança de Lisbeth Gruwez não podia ser melhor escolha para celebrar o dia mundial da dança. É uma coreografia inteligente e perspicaz, pois vai sendo construída passo a passo, sem nunca ser demasiado óbvia ou gratuita. A ironia do gesto e a expressão facial são duas armas poderosas utilizadas ao longo de toda a coreografia que se vai revelando num crescendo, e termina no clímax, ou seja, faz jus ao título, mas ao contrário: vai melhorando, melhorando e melhorando.

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